quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Portugal: Suicídio causa duas vezes mais mortes que acidentes na estrada


Portugal não está a registar devidamente os suicídios e os dados do Instituto Nacional de Estatística são neste momento uma subestimação grosseira da realidade. O alerta é do professor de Psiquiatria e investigador da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa Ricardo Gusmão, que na última década coordenou quatro projectos–piloto de prevenção da depressão e do suicídio.
Iniciativas como a formação de médicos de família e de facilitadores comunitários, como padres, polícias, cuidadores de idosos e professores, ou combater o estigma da doença mental através da reforma dos currículos escolares são alguns dos pontos de partida que agora deverão ser tidos em conta no plano nacional de prevenção. Álvaro de Carvalho, director do novo programa nacional para a Saúde Mental da Direcção-Geral da Saúde, disse ontem ao que o governo espera ter pronto até ao final de Fevereiro o plano nacional de prevenção do suicídio, uma iniciativa que já estava prevista no Plano Nacional da Saúde Mental 2007-2016. Álvaro de Carvalho adianta apenas que neste momento ainda estão a ser recalendarizadas as iniciativas e ainda não há um orçamento fechado para combater este fenómeno, mas vão ser incluídas as experiências dos últimos anos e sobretudo as estruturas que já existem ao nível dos cuidados primários.
De imediato, Portugal tem um problema de estatísticas. A semana passada, com a divulgação dos dados do INE relativos a mortes por lesão auto-infligida, foi notícia que os suicídios teriam aumentado, em 2010, 8,2%, para 1098 mortes. Na realidade, e se se tiverem em conta as mortes violentas por causa indeterminada, o número de suicídios prováveis em 2010 cresce para 2204, quase três vezes as mortes em acidentes rodoviários no mesmo ano (741). Ricardo Gusmão, que reuniu os dados, diz que esta inconsistência tem levado a subestimar o fenómeno, o que precisa de ser corrigido, embora só estejam previstos números mais rigorosos com a emissão de certidões de óbito online, algo que deverá arrancar em 2013. O psiquiatra propôs uma parceria com a DGS para participar na validação dos óbitos, o que permitirá um retrato mais fiel do fenómeno.
Esta inconsistência nos números não é nova. Como o suicídio não é crime em Portugal, e ainda bem, defende Gusmão, o Ministério Público só encaminha para autópsia as mortes violentas onde há indícios de homicídio ou outro crime. Assim, os suicídios por regra só entram na categoria de “morte por lesão auto-infligida” do INE quando são inequívocos ou assim decretados pelo MP e pela investigação forense. Ricardo Gusmão aponta outras razões para muitos acabarem no conjunto das mortes indeterminadas: o receio de estigma das famílias ou o facto de a Igreja Católica não realizar funerais de suicidas.
No fim de 2011, o estudo de um consórcio europeu, que Portugal integra, concluiu que a categoria das mortes violentas indeterminadas – na média dos 27 Estados-membros – deveria representar 20% do total de suicídios e limitar-se a dois casos anuais por 100 mil habitantes: “O que vemos em Portugal é que as mortes violentas indeterminadas são mais de 100% dos suicídios e a taxa por 100 mil habitantes variou entre 2005 e 2010 entre os nove e os dez casos. Isto não é possível.” Entre 2002 e 2003 a DGS fez um esforço de classificação dos óbitos indeterminados. Nesses anos, os dados do INE mostram valores recorde de suicídio ao mesmo tempo que as mortes indeterminadas diminuem para o patamar esperado.
Para Ricardo Gusmão, o problema da subestimação do suicídio não é exclusivo de Portugal, mas há uma nova sensibilização a nível europeu, até pela convicção de que a crise será um factor acrescido de depressão, a doença mental na origem de pelo menos 50% dos suicídios. “Muito por causa do estigma, o suicídio nunca teve o mesmo estatuto prioritário na saúde pública que outras causas de morte para as quais tem havido um esforço de prevenção”, diz. “Note-se, por exemplo, que a violência doméstica em Portugal tem maior estatuto, fundos próprios, uma agência governamental, e não é que não valha a pena, mas morrem 50 mulheres por ano. Por ano morrerão pelo menos 350 mulheres vítimas de suicídio.”

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